sábado, 30 de maio de 2020

Entrevista | Jornalismo comprometido

Vozes da Floresta: aliança dos Povos da Floresta de Chico Mendes a nossos dias, dirigido por Thiago B. Mendonça.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Iguarias da floresta


Publicado originalmente no Facebook do Jornal Varadouro.

domingo, 17 de maio de 2020

Lhé: sangue árabe no Acre

Foto: Alexandre Noronha
* Abrahim faleceu no sábado, 16, e esse texto foi produzido em 2010.

 Em 1909, o libanês Abrahim Farhat, de 25 anos, pobre e desempregado ouviu notícias sobre a borracha e rios de dinheiro que enriqueciam a todos que ousavam penetrar a Amazônia. Sem pensar duas vezes, deixou no Líbano a esposa Fátima, grávida, com Hechem na barriga, pegou um navio e três meses depois já vendia bananas em frente ao suntuoso Teatro Amazonas, de Manaus. No ano seguinte, enfiou-se nas matas do Acre para vender panelas para os seringueiros. Transformado em arigó-libanês, carregava suas mercadorias num tabuleiro atravessando varadouros espinhentos e escorregadios abertos na mata bruta; fazia tanto barulho que o apelidaram de Abrahim Teco-Teco. Em poucos anos (1912), o tabuleiro se transformou na Casa Farhat, forte empreendimento comercial instalado no segundo distrito de Rio Branco. Abrahim passou anos sem voltar ao seu país. Acabou casando novamente, desta vez em Belém do Pará, com a portuguesa Adelina, com quem gerou três filhos: José, Alberto e Said Farhat. Os dois primeiros, quando crescidos viajaram para a terra do pai, o terceiro permaneceu no ex-Território do Acre até a década de 1940, chegando a ser nomeado prefeito de Brasiléia na fronteira com a Bolívia. Depois, foi para o Rio de Janeiro e chegou a ser ministro da ditadura militar (1964). No sentido contrário Hechem, filho de Abrahim com Fátima, veio do Líbano para tomar conta dos negócios da família em Rio Branco. Revelou-se um líder, sobretudo no meio da grande colônia árabe que se formara no Acre. Em 1941, rico e prestigiado, casou com Elza (Silvia Maluf Farhat), no Rio de Janeiro, colocando mais gente no mundo: além do Lhé (Abrahim), Nilza, Helena, Fátima, Léa, Jorge e Lúcia. Em 1952, Abrahim Teco-Teco deixou o Acre e foi viver com suas duas mulheres no Líbano, deixando a bem estruturada Casa Farhat com Hechem, que plantaria raízes na terra de Chico Mendes. Aqui entra entre em cena o Abrahim Neto, braço direito do pai fazendo diabrura ideológica. De fato, a loja humanisticamente se transformou na embaixada dos perseguidos: da Palestina, do Brasil militarizado, do Chile, de Cuba, do próprio Acre pós 1964. Sobretudo, das vítimas da bovinização a partir da década de 1970. Abrahim Neto nunca foi militante orgânico, desses de apelido clandestino, mas aprendeu com o avô e com o pai a ser solidário com as pessoas ameaçadas. Ouvia rádios de Havana, Moscou, Egito, acompanhava de perto as guerras do Oriente Médio e pregava (prega) os direitos Humanos. O pai o aconselhava: “Não se deixe levar pelo mundo do dinheiro”. Certa vez, ele indagou o significado de Lhé em árabe e o pai explicou: é a pessoa rica que não se mistura com a burguesia, prefere viver entre o povo. Ah, bem! Pois o Lhé se tornou um dos mais verdadeiros aliados dos povos da floresta. Faltavam espingardas e munição para os seringueiros? A Casa Farhat daria um jeito, mesmo sob suspeita da Polícia federal. Em 1978/79, o então vice-governador José Fernandes do Rego aceitou argumentos para autorizar empenho para compra de extintores de incêndio, provavelmente, sabendo que a mercadoria era outra. E lá foram espingardas e cartuchos para a seringueirada em guerra com o grupo Bordon em Xapuri (Chico Mendes e seu primo Raimundo Barros levavam os paus de fogo). O governador Geraldo Mesquita (1975/1979) e seu sucessor, Joaquim Macedo, fariam vista grossa se soubessem dessas traquinagens. Afinal, saiam mais coisas da Casa Farhat: um motor Montgomery solicitado pelo cacique Alfredo Sueiro, dos kaxinawás do rio Jordão; alimentos para os hansenianos da Colônia Souza Araujo; dinheiro em espécie para o grupo musical Raízes, montado por uma garotada do colégio secundarista CERB; compra de papel e chumbo, e despesas diversas com o jornal Varadouro; emergências do cineclube Aquiry; várias solicitações do Partido dos Trabalhadores que ele ajudou a criar. Hechem sabia do que o filho primogênito fazia em nome dos direitos humanos e da democracia. Seu irmão Alberto, que era deputado do partido comunista no Líbano fazia coisa mais arriscada por lá. Para Hechem, falecido em 1975, Lhé era um humanista, como ele próprio. Ah! O Lhé fica com os olhos vermelhos ao lembrar essas coisas. Foi o que ocorreu durante o depoimento que fez na Biblioteca da Floresta, dia 31 de maio de 2010, como parte do projeto Memória dos Velhos Sábios da Floresta. Vermelhos, mas não de saudade ou lamentação. O que bole com sua alma é a indiferença, o pouco caso ao tanto que a Casa Farhat representou e ainda representa, embora definhada, parecendo casa mal assombrada no segundo distrito de Rio Branco.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Chico Mendes e "Eles"

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Coluna Almanacre
por Elson Martins


Chico Mendes e “Eles” 



Filhos de seringueiros, meninos que crescem no centro da floresta (foto de Elson Martins)



Na relação que estabelecemos a partir de dezembro de 1975, mês e ano de criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, e que se prolongou até seu assassinato em dezembro de 1988, estavam presentes, sempre, o jornalista e o líder seringueiro. Mas criou-se entre nós algo transcendente, um traço que nos unia ao seringal, à floresta e aos seus moradores tradicionais. Isto nos fez aliados contra os que não reconheciam nem respeitavam nosso ignorado, mas adorável mundo.

Chico completaria 75 anos de idade em dezembro de 2019. Sou mais velho cinco anos, e carrego a culpa histórica de ser filho de seringalista. Ou seja, de ter sido um menino da “Margem”, sede do seringal, contraposto ao menino seringueiro do “Centro”, ou da Colocação. Como filho de seringueiro, Chico nasceu e se tornou adulto produzindo borracha, caçando, desvendando segredos da floresta.
Entre nós dois, ou entre a margem e o centro, tem uma longa história a ser contada com menos preconceito. Em algumas ocasiões, nós dois conversamos sobre o assunto. Falei a ele de algumas caras lembranças do meu tempo de criança, quando via os filhos dos seringueiros que irrompiam da mata e chegavam ao nosso barracão, onde tomavam café, almoçavam e jantavam durante alguns dias.

Eu os invejava, porque não sabia empunhar uma espingarda nem matar um nhambu que fosse, no acero da mata. Enquanto eles me pareciam heróis misteriosos, protagonistas de histórias inimagináveis para um menino da margem. Até os sapatos de seringa que usavam, e a calça de mescla “encaronchada” pelo látex e rasgada na altura da canela compunham indumentária de sonho.

Essas memórias, explicava, se ampliavam à medida que eu, como correspondente em Rio Branco de O Estado de S.Paulo”, jornal nacional influente, a partir de 1975, começava inteirar-me das ameaças que os fazendeiros recém chegados do Sul impunham às indefesas famílias da floresta. Cada vez mais eu me sentia parte delas, sofrido e indignado.

Ao acompanhar as reuniões da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) para criação de oito sindicatos de trabalhadores rurais no Estado, conheci mais e mais seringueiros ameaçados. Fotografei o medo e a fragilidade que estampavam no corpo imóvel, perplexo, ao mesmo tempo em que identificava as ameaças, odiando os agressores. Felizmente, a perplexidade virou resistência vencedora.

Os agressores ocupavam o melhor hotel de Rio Branco, monopolizavam os restaurantes, inundavam as ruas com sua arrogância. Era difícil ser isento no meio disso, vendo como as elites locais aplaudiam a “eles”, defendendo um progresso a qualquer preço contra ”nós”. Pensei e agi: meu trabalho jornalístico não valeria nada se não estivesse voltado à causa acreana.
E Chico Mendes, por duas décadas, foi meu comandante em chefe nas redações onde me encontrava. A palavra dele vinha em forma de denúncia, era ordem de ataque. A verdade testemunhada e a defesa apaixonada que fazia de seu povo considerado inculto pelos urbanos, seu ânimo e coragem naturais me convenceram. O seringal está em mim, pensei, agora parto da margem para o centro. Quero crescer e brilhar junto com esses meninos de calça encharcada, de capanga de seringa ao ombro, de tino e tiro certeiros.

Para mim, Chico Mendes é um símbolo forte da tradição extrativista contra a vaidade e arrogância do mundo desenvolvido. Ele nos ensinou enxergar o ponto de convergência dos diferentes saberes humanos. Deixou como legado aos companheiros, ecoando no mundo, a cultura da floresta composta de intuição, mito, valentia, destreza, afeto, natureza e sonho.

Na condição de filho trágico e abençoado, da mata, aprendeu a caminhar entre cipoais, gemidos e escuridão na direção de uma vida singela, comum, e desejável. O futuro da Amazônia não pode prescindir dele como exemplo.






quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A Turma do Varadouro




A Turma do Varadouro

Eles fizeram o que se poderia chamar de uma revolução. Na linguagem, no comportamento político, nos relacionamentos sociais, em tudo eles buscaram o avesso do que estava estabelecido. Na chegada do “progresso” defenderam os índios. No auge da pecuária gritaram em favor da floresta. No crescimento da urbanização falaram de seringueiros. No frenesi do capitalismo deram valor aos pobres. Em meio aos letrados assumiram a fala dos analfabetos. Fizeram, assim, um dos mais expressivos jornais da chamada imprensa alternativa do Brasil, o histórico Varadouro. Vinte anos depois, “o Acre” os reúne para lembrar e analisar o que passou. E para, à luz do passado, fazer o que sempre souberam fazer melhor: projetar o futuro.

A entrevista é coletiva.
As fotos são de Edison Caetano.

Toinho Alves – Como nasceu o Varadouro? Quem teve a idéia?

Elson Martins – Acho difícil dizer exatamente quem teve a idéia. Surgiu em decorrência do momento que o Acre vivia. No começo dos anos 70, a revoada de jacus chegando... a imprensa aqui era “O Rio Branco” feito com noticias que eram mandadas pela elite, não tinha repórter. Não havia preocupação de ver o que acontecia no Estado. Estava acontecendo muita coisa que só veio a aparecer com o Varadouro. Era como se não tivesse conflito aqui. Mas já havia expulsão, desmatamento, desde o comecinho dos anos setenta. Em 75 foi que a gente começou a atuar aqui, a se formarem grupos, a igreja, a universidade, e o grupo que queria o jornal.

Toinho – Mas foi também conseqüência da atividade profissional que você e o Sílvio já exerciam como correspondentes do Estado de São Paulo e Jornal do Brasil.

Elson – isso concretizou a formação. Mas eu queria dizer que em 1975 as pessoas sentiam necessidade de um jornal que tivesse a coragem de dizer o que estava acontecendo, de mostrar os conflitos. O próprio governador, que era o Mesquita, tinha uma tradição de esquerda, de compromisso social, ele não acreditava que havia jagunços expulsando seringueiros, achava que era invenção da igreja, dos radicais.

Toinho – Pra você ter uma idéia, eu sai em 1974 para estudar em Brasília, tinha uns 17 anos e fui saber lá que existia índio no Acre.

Suede Chaves – Não só você. Conheço o caso de uma pessoa que foi fazer mestrado que também fez essa descoberta lá fora, tamanha era a ignorância sobre o fato.

Abrahim Farhat – Eu me lembro do Sílvio e o Marmo num programa de rádio. Era essa época?

Silvio Martinelo – Não, é que nós estivemos aqui em 1969. Eu passei um ano, o programa de rádio é dessa época. Aí eu voltei em 76. Foi quando, através do D. Moacyr, eu e o Elson nos conhecemos. Ele estava com o jornal “Estadão”. Aqui não se falava em conflito, mas a gente em São Paulo acompanhava o problema que estava surgindo no Acre, os conflitos, através do Estadão, que o Elson era o correspondente.

Elson – O D. Moacyr tinha a maior preocupação com esse jornal. Tanto que as primeiras reuniões aconteceram dentro da Prelazia. O D. Moacyr foi nos mostrar a salinha onde fazia aquele jornal da igreja, “Nós Irmãos”. Lá me apresentou o Mastrângelo, que trabalhava nesse jornalzinho. Achava que eu e o Mastrângelo faríamos um jornal naquela salinha. Aí começou a série de discussões sobre o jornal, que durou 8 meses.

Alberto Furtado – Quase uma gravidez completa. (risos)

Elson – O D. Moacyr parece que percebeu que aquelas reuniões não iam levar a nada. Aí vieram o Sílvio e o Marmo. O Sílvio já era jornalista formado, o Marmo tinha experiência também. E nós chegamos a uma conclusão. Dissemos: olha, chega de reunião, vamos fazer o jornal.

Luiz Carvalho – Quando eu entrei no jornal, o Elson e o Sílvio já haviam negociado com o Mesquita pra fazer a impressão no SERDA, quando surgiu o problema do chumbo pra linotipo e precisou de grana. Disseram: Luís, tu tens que ir lá no D. Moacyr e assinar um recibo, pegar uma grana e o Abrahim vai ter que mandar buscar um chumbo em São Paulo. Aí foi quando surgiu a idéia de criar e legalizar a empresa, pra regularizar a compra do chumbo e fazer o número zero do jornal.

Alberto – A primeira reunião foi na casa do Elson. Eu tinha sido convidado porque trabalhava com uma bancada de revista ali na frente do Cine Rio Branco. O Elson me convidou para a reunião, depois para ser o responsável pela distribuição do jornal. Teve a constituição da empresa e já me associaram também. (risos) Eram sete sócios. Elson, Sílvio, Luís, Abrahim, eu, Arquilau e a Célia.

Arquilau de Castro – Isso é uma historia à parte. Nós mudamos de sócio, entrou e saiu sócio, mas no papel a empresa era forte.

Toinho – O que você fazia, Arquilau?

Arquilau – Ah, eu só estudava mesmo. Tinha uma farmácia em Cruzeiro do Sul. Eu lia sempre, estava em contato com o pessoal da igreja e conhecia o Alberto, que me apresentou ao grupo.

Toinho – E o Suede era aprendiz do Elson.

Elson – É, eu tinha umas férias e o Estadao queria que eu me transferisse para Rondônia. Mas eu tinha que deixar um substituto aqui. O Alberto Furtado me disse que conhecia um repórter muito eficiente, jovem e muito interessado. E foi me apresentar o Suede. Aí é quando eu vejo o Suede. Ele estava usando um sapato “cavalo de aço”, com salto dessa altura; todo almofadinha. Eu pensei: daqui não vai sair nada, até pra andar com esse sapato é uma dificuldade. (risos) Mesmo assim eu dei pautas e ele trabalhou umas matérias e me mostrou. Não serviu pro Estadão mas acabou no varadouro. Então eu passei quinze dias em Porto Velho para fazer a escolha, se me mudaria pra lá ou não. Achei a cidade um horror. Abri mão da vaga e decidi ficar no Acre, mesmo perdendo dinheiro. Depois foram aparecendo outras pessoas. Nessa época o Estadao ganhou o prêmio Esso com uma matéria sobre os super-funcionários, feita por todos os correspondentes, e resolveu premiar três deles e eu estava no meio. Fui receber o prêmio em São Paulo. Eu tinha levado uma carta do Luís pra Rosa e ela apareceu no hotel com a Célia Pedrina. Nós fomos beber cerveja, ficou aquele papo intelectualizado, eu contando sobre o conflito no Acre. Aí a Célia disse: eu vou pra lá, não agüento mais isso aqui. Eu disse: vai lá pra casa, não tem problema. Mas eu disse só porque tinha tomado umas cervejas, não pensei que ela viesse. (risos) Aí eu voltei. Uma semana depois vi chegar em minha casa uma mulher com um vestidão que ia até às sandálias, aquela paulistana esquisita, com uma sacola. Era a Célia Pedrina. Eu chamei a Jalva, minha mulher, e disse: olha, essa mulher veio para morar aqui em casa. Foi difícil, porque a Célia era toda paulistana, no vestir, nos hábitos, e a Jalva estranhava pra caramba. Mas a Célia teve uma capacidade de assimilação do Acre enorme. De repente ela foi trocando de roupa, colocando blusão, calçando um tênis, e foi figura fundamental no Varadouro. Já entrou como sócia, né? (risos)

Alberto – Dinheiro para o primeiro número não tinha.

Elson – Quem arranjou foi a igreja, foi um empréstimo.

Toinho – Esse dinheiro era para pagar a gráfica, porque remuneração a equipe não tinha, não é?

Elson – O único repórter remunerado era o Suede porque a equipe se apiedou da situação dele. Era cheio de meninos para criar, desempregado, apesar dele se trajar bem... (risos) Mas o Alberto Furtado e o Arquilau conheciam bem a penúria do Suede. Aí numa reunião ficou estabelecido um pequeno salário pra ele.

Luís – No terceiro ou quarto número a gente já saiu pra fazer uma coleta junto às empresas de Rio Branco. Se você pegar esses números já vai ver publicidade. O pai do Binho, seu Arnóbio, tinha um anúncio constante, entrou com uma graninha. Era um anúncio do Jardim Nazle.

Suede – O jornal era uma coisa que chocava, na época, mas nunca faltou publicidade. Até o comércio mais tradicional colaborava.

Arquilau – O primeiro número foi rodado em São Paulo, não?

 Elson – Não, rapaz. Foi rodado no Serda. Eu trabalhava também como repórter n’O Rio Branco e consegui com o Edison Martins, que era presidente do SERDA, para tirar lá. O Edison era assessor do Mesquita e disse que não tinha problemas com o “Barão” (apelido do Geraldo Mesquita, então governador). O Mesquita era cúmplice dessa coisa, tanto que no segundo ou terceiro número já tem publicidade da Colonacre.

Alberto – É, mas nós fomos bloqueados no SERDA.

Elson – O mesquita era favorável à idéia, mas quando saiu o primeiro número ele não gostou e proibiu de tirar o segundo no SERDA. Então nós acertamos nosso segundo número n’O Rio Branco. Aí o Tourinho (Luís Malheiros Tourinho, dono d’O Rio Branco) não gostou desse segundo número e nós tivemos que partir para Porto Velho para tirar o terceiro.

Alberto – Não, primeiro pra São Paulo, depois na gráfica Dois Oceanos, do Abrantes.

Abrahim – Depois Porto Velho, Manaus, São Paulo e Rio. Fomos parar na “Tribuna da Imprensa”, no Rio.

Alberto – Na primeira edição, quando nós partimos pra vender na rua, o negocio não foi muito fácil não. Atrasou a impressão, toda a turma passou dois dias sem dormir dentro do SERDA. Terminou era umas onze horas. Aí eu fiquei com medo da responsabilidade de distribuir. Juntei uns dez meninos pra vender jornal na rua. A meninada também não tinha experiência, era só voltando com os jornais pra entregar. Eu fiquei mais assustado ainda. Quando foi à tarde eu coloquei os jornais nas costas e fui lá pra universidade e fiquei oferecendo lá dentro. Fiquei até as dez horas da noite e consegui vender uma quantidade razoável. No dia seguinte, eu resolvi vender na rua mesmo. Vou dizer uma coisa pra vocês: tive medo de que o jornal não tivesse seqüência porque naquele momento eu não estava conseguindo vender. Eu encontrei o Luís e o Sílvio na rua e eles me deram uma força danada. Aí eu me tornei vendedor de jornal (risos). Entrava em todos os botecos, escolas, repartições, não queria nem saber se o pessoal não comprasse. Rapaz, quando eu comecei a ver a quantidade de jornais diminuir eu me animei.

Toinho – Qual foi a matéria de destaque do primeiro número?

Elson – Os índios do Acre.

Sílvio – Na minha opinião foi uma das melhores capas que nós fizemos. Ela se distinguia dos outros jornais – naquela época já tinha o “Opinião” e outros – com aquele traço do Elson, foi uma das coisas mais bonitas que o Varadouro fez. A gente revendo hoje,acho que o Varadouro tinha essa característica artesanal.

Elson – O Varadouro chamou atenção dos jornalistas do sul. Lá pelo meio, o Hénfil mandou uma carta para nós dizendo que tinha ficado encantado com a singularidade do jornal e desejava que os próximos números fossem impressos em folhas de seringueira.

Alberto – Quando eu anunciava o jornal, fazia um comentário sobre as matérias. Aí a turma começou a discutir o jornal, dando sugestões de pauta. Senti nesse momento que havia uma corrente forte que se identificava com a proposta.

Suede – O jornal gerava polêmica. Senti isso quando fui à casa de uma amiga minha. Era gente de fora. Eu estava na sala conversando com ela e veio a mãe lá de dentro. Aí ela me chama num canto e diz: se manda, que o papai ta aí. Se ele te ver vai te botar pra correr. O “papai” era um fazendeiro. Eu tomei um susto e fui embora. Nesse dia senti que o jornal afetava tudo, até nossos relacionamentos. Quando o jornal saía, era pauta de discussão na cidade.

Sílvio – Nós fizemos grandes tiragens, chegamos a imprimir 7 mil jornais. Hoje são cinco jornais na cidade e juntando todos não chegam a vender a metade do que o Varadouro vendia na época.

Arquilau – Era impressionante. Criava-se uma expectativa na cidade de que o jornal ia sair naquele dia. Era uma repercussão grande quando o jornal saía. Era nota de protesto nos outros jornais, os jornais ganhavam muito dinheiro com os desagravos. Passava o mês inteiro saindo nota contra as matérias do Varadouro, que só ia sair novamente um mês depois ou até mais.

Sílvio – Como a gente estava conversando no inicio: índio, terra, meio ambiente, eram temas que não entravam absolutamente nos jornais locais, não se discutia isso.

Suede – E o Acre estava pegando fogo.

Elson – Acho que esse impacto que causou o Varadouro é porque estava todo mundo aqui na cidade “entalado” com o que estava acontecendo. Como era Rio Branco nessa época? Ali onde hoje tem o Boticário, embaixo do hotel Rio Branco, era o bar Cinelândia. Era ali que se vendia, grilava e trocava terras, onde aconteciam as negociações. O hotel Chuí, onde hoje é a prefeitura, estava arrendado para o Pedro Veras desde o governo Dantinhas, o “governador dos bois”, como o Varadouro chamou. Então o hotel era só dos fazendeiros e dos políticos que nem pagavam hospedagem. O arrendatário não pagava o governo e os políticos não pagavam o hotel. Ali era o centro: os jagunços passavam o dia matando criações, tocando fogo na mata, ameaçando seringueiros e de noite vinham tomar uísque no hotel e no bar Cinelândia. Então ali era uma área de perigo. Quando eu comecei a divulgar as denuncias pelo Estadão, passei a ser visado. Eu tinha medo de passar ali e me aproximava com muita cautela, sempre acompanhado. Primeiro eu dava uma olhada para ver quem estava la na frente, se eu podia entrar ou não.

Sílvio – Ali era um território deles, ninguém entrava. O Elson uma vez entrou ali e pegou uma discussão com o Pedro Veras, ele ia puxando o revólver e acho que foi o Élio Gaspari que puxou o Elson.

Elson – É, foi ele quem me salvou, me puxou e pegou o revólver do filho do Pedro Veras. O Elio Gaspari tinha sido repórter policial, do tipo que também batia nos “meliantes”. Então ele tinha toda aquela tática de abordagem dos policiais, de esganar o cara, e imprensou o Pedro Veras na parede. O Pedro Veras até se assustou. Ele disse: rapaz você é dono de um hotel e você tem quem me respeitar. Aí o Pedro Veras amoleceu e ofereceu uma água mineral pra nós e fomos conversar.

Sílvio – Só uma curiosidade: o Elson tinha quase que uma paranóia de paulistas. Uma vez nós pegamos um porre lá na casa do Arquilau e eu vinha rebocando o Elson. Ele viu a sombra de um poste e achou que era um paulista. Eu dizia: que nada, é um poste. E ele: não, é um paulista de tocaia (risos). Ele já tinha enfrentado uma tocaia, junto com o João Maia.

Elson – Sim, alem de várias ameaças. O clima quando a gente andava na cidade era de medo, ouvindo as ameaças que os seringueiros sofriam. E também começaram a ameaçar o João Maia.

Suede – Não só ameaças. Os seringueiros apanhavam nas delegacias, isso é fato histórico. Os delegados eram subornados.

Elson – Os acordos eram feitos dentro da secretaria de segurança. O secretário, o João Bernadino, era um advogado dos paulistas, dos fazendeiros. Depois de muita denúncia foi que o Mesquita acreditou que ele estava fazendo os acordos lá dentro e o demitiu.

Abrahim – Sobre a questão indígena. Nós tínhamos uma educação tradicional, de que índio é bicho do mato. Aí aparece no Varadouro um santo, que é o meu guru iluminador, o Terri Aquino, que foi expulso da faculdade pelo Aúlio Gélio. Acho que o Varadouro servia também de  âncora para os perseguidos. O Terri chegou e colocou tudo no lugar. Ele foi morar num quartinho atrás do Varadouro e abriu essa questão para a população.

Elson – Uma pessoa importante pra colocar o índio na consciência do publico foi o José Porfírio de Carvalho. Ele chegou aqui em outubro de 75, igual comigo. E como é que o Terri entrou para o Varadouro? Eu comecei a andar com o Porfírio, porque ele também era uma fonte de informação pro Estadão, e ele não sabia nada se tinha índio aqui. Teve uma audiência com o Mesquita mas andava puto porque tinha sido mal recebido. Tinha mandado um antropólogo pra fazer um levantamento no rio Tarauacá, mas achava que esse cara não era de porra nenhuma, tava estirado numa rede lá em Tarauacá, e que ia demitir ele da Funai. Era o Terri. Aí ele disse: vamos lá pro aeroporto que o filho da puta esta chegando agora num aviãozinho, eu mandei buscar, e eu acho que já vou demitir ele. Aí eu chego lá e salta aquela figurinha, o Terri, magrinho e tal. O Carvalho tava querendo instalar a Funai lá no Aeroporto Velho, ficou olhando as instalações e eu fiquei conversando com o Terri: Tue és daonde? Eu sou daqui do Acre e tal. Aí começamos a nos identificar, né? Daqui a pouco tava nós dois contra o Carvalho. Eu disse ao Carvalho: você ta é doido, rapaz! O Terri tava arriado numa rede mas era doente de malária que pegou lá nos altos rios. Aí foi que o Carvalho chamou o Terri e disse: “eu tava equivocado, me deram essa informação, que você tava lá brincando e não tava fazendo o trabalho”. E foi daí que o Terri foi pro Varadouro.

Toinho – Mas apesar do Carvalho não ter sentido apoio do Mesquita, foi o Mesquita quem trouxe a Funai pra cá. Ele escreveu uma carta avisando que tinha índios no Acre, uma comunidade Katukina lá em Feijó, e pedia que a Funai fizesse um levantamento pra regularizar a terra. Agora, deve ter se passado muito isso naquela época do governo Mesquita, né, porque ele era nomeado pelos militares e no entanto tinha ligações com os setores populares. Então no governo devia ter essa confusão.

Elson – É, o Mesquita tinha problemas com a Contag, a Igreja, a Funai, mas ele era aliado. Tanto que apesar de ter proibido de tirar o Varadouro no Serda, ele continuou apoiando o jornal.

Arquilau – Ele recebia pessoas com reclamações e mandava que procurassem o Varadouro. Ele mandava que criticassem a administração dele.

Sílvio – Acho também que ele foi fustigado um pouco pelo Varadouro, pela igreja, pelo Estadão, pelo jornal do Brasil, porque quando ele deu mesmo o ponta-pé e resolveu pegar a briga com os paulistas já foi um pouquinho depois, né. Eu acho que o próprio Varadouro  abriu um pouco os olhos do Mesquita para essa realidade.

Suede – Exatamente, nós fizemos o Mesquita chorar com uma capa do Varadouro. Você lembra?

Elson – Nós pegamos uma senhora, seringueira lá de Sena Madureira, no Pronto Socorro com uma criança numa situação terrível. O título da matéria era “Nós queremos um governador que nos tire desta miséria”. Aí o Mesquita olhou isso e chorou, numa reunião cheia de jornalistas.

Sílvio – Fazendo uma avaliação vinte anos depois, acho que o Acre seria muito pior sem o Varadouro, sem as comunidades de base, sem a Contag. Porque realmente a agropecuária estava entrando com toda a força. Eu acho que o papel do Varadouro e dessas outras instituições foi dar uma brecada. Brecou e brecou bonito. Tanto que o paulista hoje se acomodou no canto dele e coisa e tal. Senão, teria sido uma catástrofe.

Alberto – Seria uma Rondônia mais avançada.

Toinho – Em 91 eu escrevi um artigo junto com o Jorge Viana e a gente dizia lá que o Acre estava “empatado” em dois sentidos. Primeiro porque a gente tinha acabado de disputar uma eleição com o Edmundo Pinto e, mesmo ele tendo ganhado, o resultado foi simbolicamente um empate. E empatado também no sentido que o seringueiro dá a essa palavra. Ou seja, o desenvolvimento do Acre estava empatado. Não ia para um lado nem para o outro: a pecuária não venceu o extrativismo, o extrativismo não venceu a pecuária, ninguém conseguiu suplantar o outro. O extrativismo, apesar de toda crise, permaneceu. A pecuária, apesar de toda sua ascensão inicial e do apoio oficial não se desenvolveu e chegou num ponto de estagnação. A crise dos anos 80 e 90 fez com que o Acre ficasse parado.

Sílvio – É Toinho, mas se não houvesse essa reação, eu acho que eles teriam conseguido implantar, independente até da economia, uma certa cultura, uma certa prepotência. Porque, por exemplo, as meninas aqui se entregavam fácil aos paulistas. O acreano era surrado mesmo. O seringueiro tinha um pavor danado. Eu lembro a história da Contag, do Pedro Marques, do João Maia. Qual a lição que eles davam? O seringueiro dizia: “o paulista ta invadindo a minha colocação, ta derrubando”. O Pedro Marques dizia assim: você não é homem? Não vai defender sua família, sua casa? Foi daí que nasceu essa resistência.

Toinho – É isso que eu chamo de empate, o movimento que houve para segurar isso aqui. Agora nos anos 80 eu conheci uma pessoa que veio aqui no Acre e depois foi a Rondônia. Mais tarde ela me disse assim: “eu nunca pensei que o inferno ficasse tão próximo do paraíso”. Nós às vezes não compreendemos o tamanho da resistência que houve aqui. O Acre ainda existe graças a essa resistência.

Luís – A resistência foi em função da forma como o capital, a empresa pecuária, se implantou aqui. Não foi nada pacífica. Os seringalistas queriam vender suas terras. Isso é uma negociação normal dentro de uma sociedade capitalista. Mas muitas vezes as terras não foram compradas, elas foram ocupadas e o modo de tirar o seringueiro foi violento. E houve uma resposta a essa violência.

Toinho – O Varadouro era muito vendido através dos sindicatos. Como começou isso?

Elson – Posso responder porque eu comecei a trabalhar um pouco antes na cobertura do conflito para o Estadão. Eu comecei em outubro de 75 e o Varadouro veio sair em 77. A minha fonte de informação dos conflitos era a Contag. A Contag chegou exatamente eu outubro de 75. Encontrei o João Maia logo que cheguei. O crescimento dos sindicatos foi uma coisa estrondosa. Em menos de dois anos o João Maia criou oito sindicatos, quase 40 mil associados. E por que essa facilidade de mobilização? Para se defender. Porque, como Luís falou, a empresa agropecuária entrou botando pra fora mesmo. Eles compraram o seringal a preço de banana com o seringueiro dentro. E a recomendação de quem vendia a terra era de que o seringueiro não valia nada, era só chegar lá e botar pra fora, ele não tinha direito. Coincidiu o trabalho da Contag, esse trabalho de jornalismo que estava nascendo e, sobretudo, o trabalho de comunidades de base da igreja, que estava em tudo que era seringal. E para a Contag o Varadouro era um apoio muito grande. E o João Maia em contrapartida, disse que os sindicatos iriam distribuir o jornal.  A primeira remessa que ficava pronta era para a Contag que mandava para os sindicatos. E era muito jornal. Acho que eram uns dois mil jornais.

Sílvio – Uma vez eu fui a Xapuri com o Arquilau. O Chico Mendes levava o jornal, lia pros seringueiros. Dali eles levavam pros altos rios.

Abrahim – Eles pediam pra gente colocar letras maiores porque os seringueiros liam sob a luz de lamparinas.

Toinho – E o nome do Varadouro, como nasceu?

Elson – Eu vinha pensando, preocupado com isso, eu tinha aquela imagem de seringal, de varadouro, na cabeça. Até tinha pensando num slogan meio exótico, que era “varando até o infinito” (risos).

Toinho – Essa história da linguagem é importante. O Varadouro abriu as páginas da palavra escrita para a palavra falada. Eu me lembro que em 1983 nós fomos fazer uma peça de teatro chamada “Toda noite tem pichação”. E um dos quadros da peça era o diálogo extraído integralmente do depoimento de dois colonos, que a gente viu no Varadouro. Inclusive os erros de português, a linguagem que o povo fala e que não é dentro da norma culta. Acho até que esse termo “paulista” era uma palavra de domínio popular que o jornal assimilou e hoje se transformou num termo sociológico.

Sílvio – Havia sempre uma preocupação, principalmente do Elson, de valorizar o relato simples, a conversa, o modo do povo falar. Ele recusava os textos mais acadêmicos sugeridos, por exemplo, pelo Luís.

Luís – Ele jogou um texto meu na lata do lixo.

Sílvio – É, o Luís apresentou um texto muito analítico, não lembro qual era o assunto, mas era mesmo um tanto complicado. O Elson disse que aquele texto não tinha a menos chance de entrar. E não entrou mesmo. Essa preocupação acabou por caracterizar o Varadouro como um jornal de linguagem simples, carregada de emoção e indignação, transmitindo o clima do conflito que o Acre vivia na época. Realmente, o Varadouro se distinguia até dos outros jornais alternativos nessa questão da linguagem. Enquanto os outros elaboravam teorias, de acordo com as tendências de cada um, o Varadouro preferia a linguagem simples, popular, e a gente valorizava isso. O Elson tinha muito essa preocupação, eu também tinha, com o relato na reportagem que a gente fazia. Colocar as pessoas falando era suficiente pra gente fazer um bom jornal.

Elson – A palavra “paulista” foi assim: quando a gente ia levantar a informação para fazer a matéria, o seringueiro dizia: “os caras foram lá, ameaçaram minha mulher, meus filhos ficaram chorando, eles disseram que vão entupir o varadouro e tocar fogo em volta da colocação”. Aí a gente perguntava: que é esse cara? Ele não sabia o nome e dizia: é um paulista. Era sempre assim. A gente queria dar o nome mas ele não sabia, era o paulista.

Toinho – A importância política do Varadouro é evidente. Mas no campo específico da imprensa, qual é a maior contribuição do Varadouro?

Arquilau – Acho que o Elson já respondeu: foi dar voz a quem não tinha como se fazer ouvir.

Elson – Eu acho que foi mais do que isso. O Varadouro iniciou uma nova imprensa aqui no Acre. Inclusive em termos de organização da redação, de diagramação. Nós fomos os primeiros a diagramar jornal aqui no Acre. E quando o Varadouro começou a cair foi num outro momento da imprensa nacional. Foi retirada a censura e os grandes jornais voltaram a falar dos assuntos tabus que só a imprensa alternativa falava. O Varadouro era imprensa alternativa, publicava o que outros não tinham coragem de publicar. E quando o Varadouro acabou, toda a equipe foi para a imprensa local. Nós assumimos a Gazeta, que era do Grupo Guaporé, e levamos todo o nosso espírito de fazer jornalismo pra dentro da Gazeta, que cresceu muito.

Suede – E há o aspecto ético, a luta contra a ditadura, que a gente incorporava, e que hoje eu creio está fazendo muita falta na imprensa. Principalmente na imprensa diária do Acre. Eu vejo o jornalismo no Acre com muita tristeza. E uma das coisas boas que eu tenho na minha alma, na minha vida, nesse tempo todo, é aquele clima de sinceridade, de enfrentamento mas também de abertura e de lealdade em relação ao jornalismo. Eu, sinceramente, sou uma pessoa triste com o jornalismo que se faz aqui no Acre.

Sívio – Eu concordo com esse aspecto técnico que o Elson levanta. A gente introduziu o mínimo de técnica no jornalismo, que aqui não havia. Não havia diagramação, não se sabia como colocar uma matéria no jornal, esse aspecto técnico. E mais isso que o Sued fala: fazia-se jornalismo, encarnava-se a profissão de jornalista. Nós tínhamos aquilo que é fundamental pra se fazer jornalismo: liberdade. Nós não estávamos com o rabo preso com partido político, com o governo, com ninguém. Então, quando a gente reflete sobre os jornais de hoje, é isso. A partir do momento que você faz um contrato com o governo...

Sued – Nós temos um grande patrão aqui que se chama governo do Estado. Todo mundo depende disso, e isso é terrível, é fatal pro jornalismo.

Sílvio – Eu acho que a liberdade de imprensa é você ter independência. A que preço, isso eu não sei. Nós pagamos um preço, não é Elson?

Elson – Eu concordo plenamente e acrescento mais um componentezinho que é a ideologia. A equipe do Varadouro tinha muita ideologia. Hoje pra você contratar um repórter, ele ainda não é um repórter, não é capaz de fazer uma matéria com qualidade, mas já faz todas as exigências de um repórter profissional. Ele quer dinheiro. Ele só faz uma matéria que exige um pouco mais de investigação se você der carro e fotógrafo. E nós éramos uma equipe que trabalhava numa precariedade total, e o dinheiro não era uma questão que importava para produzir matéria.

Sued – Hoje tem repórter que vai fazer uma matéria e a última pergunta que ele faz é quanto o entrevistado vai dar para ele. A situação do jornalismo no Acre chegou a este ponto, Elson.

Toinho – Dessa fase final do Varadouro eu posso falar um pouco porque participei. O Varadouro tinha dado uma parada e ia ser retomado, já em 81, por aí assim. Houve uma espécie de rebelião porque algumas pessoas disseram que tava ficando o jornal do Sílvio e Elson, tinha que abrir mais. Aí começou a chegar o Marco Antonio, o Romerito, Saulo Petean e o pessoal disse: vamos fazer uma nova direção pro Varadouro. O Marco Antonio ficou na diretoria e a gente tocou a fase final que foram apenas quatro números. O primeiro a gente abriu com uma matéria de capa sobre maconha. Entrevistamos pessoas que fumavam, jovens urbanos dizendo o que sentiam, o que achavam etc. E eu me lembro que o pessoal da Igreja não gostou nem um pouco disso. No número seguinte a capa era homossexualismo. Eram temas muito incômodos e o pessoal da Igreja Católica retirou o apoio financeiro e o jornal não tinha mais dinheiro pra circular. Outra dificuldade foi isso que o Elson e o Sílvio já falaram. A Gazeta começou a roubar a pauta do Varadouro. O Varadouro, como toda imprensa alternativa nesse período, ficou numa espécie de limbo, porque a imprensa diária tava cobrindo com a mesma qualidade. Surgiu o segundo caderno nos jornais, com matérias de cultura, o jornal “O Rio Branco” passou a fazer o “Contexto Cultural”, com o Clodomir Monteiro, então a imprensa diária começou a ter uma abertura e o Varadouro foi perdendo a pauta.

Arquilau – E o jornal diário é mais rápido?

Toinho – Pois é, então a saída foi todo mundo entrar para a imprensa diária. Mas eu penso que o controle da imprensa, o controle político feito pela ditadura naquela época, hoje é um controle econômico. E chegou a tal ponto que talvez haja novamente a necessidade de uma alternativa para a imprensa. Eu acho que começa a haver espaço para jornais como o Varadouro.

Sílvio – Eu também acho, porque nós encontramos muita dificuldade para fazer o Varadouro. Não tinha gráfica. E hoje a cidade está cheia de gráficas bem aparelhadas, que podem dar essa oportunidade de fazer um jornal independente, quer dizer, mais independente. Acho também que uma questão a se estudar é a questão dos custos, hoje. Com um computador você faz um jornal baratíssimo, não? Agora, a partir do momento em que você faz um contrato com o governo, aí acabou o jornal.

Abrahim – Eu acho que está faltando coragem. No Varadouro nós tivemos e acho que pegamos pra capar.

Toinho – Isso é outra coisa que nós devemos tratar. Hoje, alguns continuam no jornalismo, outros estão em outras profissões, mas o Suede tava falando agora a pouco que o Varadouro foi um dos momentos bons da vida dele. Então eu acho que vale a pena uma avaliação pessoal nos seguintes termos: como é que aquele momento, 20 anos atrás, se refletiu na vida da gente? O que ficou do Varadouro em nós?

Luís – Pra mim foi importante conhecer o Acre. Teve uma vez que o Elson falou assim: pega um gravador e vai pra Brasiléia, que o pessoal lá vai fazer um empate. Ia fazer um levantamento da economia agrícola regional e tinha uns conflitos lá pelos lados do seringal Guanabara. Saímos daqui de batelão e chegamos em Assis Brasil. Ali pegamos um cavalo e fomos para Sena Madureira, porque ia ter um empate lá... E eu comecei a conhecer o Acre. Eu nasci no Acre, fui pra São Paulo, voltei, me enturmei com o pessoal do jornal, mas eu não conhecia o Acre. Foi minha identidade, identidade cultural. Nós não nos conhecíamos. Eu conhecia Xapuri, Brasiléia, mas assim, na verdade não conhecia mesmo. E a partir do jornal a gente passou a entrar nos municípios e a ter um conhecimento geográfico do Estado.

Suede – O Varadouro entrava nos altos rios, nos igarapés. Eu nunca esqueci de uma frase que o Márcio Souza disse quando ele deu uma palestra aqui, não era nem famoso ainda. Ele disse o seguinte: “eu posso nascer em Manaus, como nasci, ler o Jornal do Brasil todo dia (naquele tempo era muito chique ler o Jornal do Brasil), me informar, mas não conhecer a Amazônia. Eu não conheço os altos rios”. E eu acho que esse é o indício da perspicácia e da sensibilidade do Elson Martins. Eu considero o Elson uma espécie em extinção, um jornalista sensível, às vezes explosivo e até arrogante em algumas coisas que ele defende com muita paixão, e eu acho que esta fase do Varadouro é o espírito do Elson Martins. Ele nos ensinou a fazer assim: vai lá no bairro tal. O Elson é aquele jornalista que vai fazer uma reportagem acompanhando um governador e começa a matéria falando do vendedor de picolé que estava no evento, na inauguração, naquela coisa oficial. E eu acho que os jornais hoje esqueceram um pouco desta luta. A ideologia, não no sentido político. Ideologia de ir no interior, de vir ver o que está acontecendo no Acre. Está faltando isso no Acre na imprensa hoje.

Arquilau – O que eu vejo é que a gente não estava muito preocupado com o que acontecia lá fora. Hoje, o que faz a imprensa daqui? Deu uma notícia no Estadão, na Folha de São Paulo, todo mundo acha que aquilo também tem que acontecer aqui no Acre. (risos) No outro dia a manchete dos jornais locais é igual a que saiu ontem na Folha de São Paulo. Aí você fica atrás, enquanto nós pautávamos a imprensa nacional sobre o que estava acontecendo aqui. A gente conseguia, às vezes, pautar a imprensa do Sul.

Toinho – Em poucos momentos se conseguiu isso talvez na morte do Chico Mendes, o trabalho que a Gazeta fez conseguiu pautar a imprensa do Sul, que desconhecia totalmente a realidade daqui. Hoje você vê esses casos de escândalos com políticos locais. Nós deveríamos publicar informações que a imprensa do Sul não tem, porque nós convivemos com essas pessoas aqui. E no entanto acontece o contrário: a gente passa a saber do que está acontecendo no Acre pela Folha de São Paulo, pelo Jornal do Brasil.

Luís – Se você fizer uma comparação entre a TV e o jornal, há uma diferença. A mídia eletrônica tem mais poder. Há uma interiorização das informações. Você pode até discutir a forma jornalística, o pessoal que faz televisão no Acre é um pouco amador. Mas a informação vem, mesmo que às vezes não seja muito bem trabalhada. Então, eu hoje me ligo muito mais nas televisões locais, que fazem um jornalismo muito parecido com os outros, mas, em termos de informação, eu acho razoável.

Toinho – Mas não se justifica, Luís, que todos os jornais do Acre somados não vendam a metade do que o Varadouro vendia 20 anos atrás. O jornal não ocupa o especo que deveria ocupar.

Elson – Isso é verdade. Mas o sucesso do Varadouro teve vários fatores. Eu acho que o Varadouro foi feliz ao ter juntado pessoas como eu, que tinha essa paixão, esse ímpeto para fazer esse jornalismo regional, com pessoas de uma grande técnica, a especialidade do Sílvio. Foi um cruzamento da cultura cabocla com a cultura sistematizada. E, depois, o Varadouro teve capacidade de aglutinar pessoas, colaboradores como Antonio Marmo e outros. Todo jornalista que chegava de férias acabava se tornando repórter do Varadouro ou pelo menos ajudava a discutir as pautas. A discussão de pautas era super-democráticas. Era aquela mesona grande lá, aquele salão, toda hora chegando gente que ia lá conhecer o Varadouro e acabava sentando à mesa e dando palpite também. Eu acho que até índio pautou o jornal. O Terri chegava lá com aquele monte de índio para comprar jornal, mas depois eles acabavam...

Arquilau – E exigiam quatro páginas. As páginas no centro eram deles. (risos)

Elson – Eu chego a lembrar um pouco o Chico Mendes nisso aí. O Chico Mendes foi tão profundo no particular, de amar a sua colocação, a sua Xapuri, a sua vida no seringal, que se universalizou por isso. Deu um salto universal pela profundidade a que chegou no particular. E nós, em determinado momento, tivemos coragem de transcender o esquerdismo dos intelectuais que passavam pelo jornal. Eu me lembro de uma discussão em que nós estávamos torcendo pra que o Joaquim Macedo fosse governador como substituto do Mesquita. Tava um grupo de intelectuais, estudantes passando por aí, e achando um absurdo que a gente tivesse uma matéria dizendo que o Joaquim Macedo poderia avançar. Chegou o momento em que a gente disse assim: nós vamos fazer a matéria, vão cuidar da realidade de vocês lá que nós cuidamos da nossa aqui. (risos) Então é isso, eu acho que o Varadouro teve muita ideologia, muita muita paixão e também muito profissionalismo. O produto final era uma coisa de qualidade. O Varadouro era artesanal, é uma diagramação até simplória, mas o conteúdo, na sua riqueza de propósito, traz uma limpeza na elaboração da mensagem.

Toinho – Sobre essa questão técnica, eu queria dizer que, na verdade, não foi o Varadouro que inventou a diagramação
aqui no Acre. Existem coisas antigas incríveis, feitas pelo Garibaldi Brasil. O Garibaldi era artista plástico e era um jornalista completo. O Zé Leite também tem isso, ele desenha, cuida do visual da página, busca fotografias antigas. Havia essa tradição na imprensa do Acre, mas ela foi praticamente interrompida no início dos anos 70 e uma coisa que o Varadouro faz, talvez até inconscientemente, é resgatar a continuidade do vigor da imprensa do Acre, que estava se perdendo junto com os tipos populares, o diálogo, a coloquialidade.

Silvio – Nós chegamos a fazer uma matéria, uma vez, “O Acre nos jornais antigos”.

Suede – Eu gostaria que fosse colocada a questão do conteúdo, a característica principal do Varadouro foi se colocar contra a pecuarização extensiva do Acre. O Élson, por exemplo, encarnava tanto isso que chegava a ver...

Toinho – A ver paulista em poste. (risos)

Suede – Então, é o seguinte: qual é a avaliação que a gente faz da situação 20 anos depois? Ainda tem sentido fazer um Varadouro?

Elson – Acho que nós cometemos um erro inconsciente – essa é uma reflexão que eu faço hoje. Nós falamos que houve intermediação danosa na borracha, na castanha, na madeira, em tudo. E nós nunca pensamos que houve uma intermediação cultural. Toda pessoa que chegava e queria fazer um produto sobra a Amazônia, muito vendava lá fora, nós sentávamos e bebíamos cerveja, abríamos tudo, entregávamos nossos documentos, nosso sonho, nossas emoções. Nós estávamos transferindo nossa ação para uma pessoa que ia fazer outro uso disso. Assim fizeram livros, revistas, filmes.

Toinho – Minha mulher disse que ia colocar um cadeado em minha boca e, quando chegasse um gringo, ela cobraria 100 dólares por hora de conversa.

Sílvio – Até hoje eu tenho uma caixinha cheia de cartões de jornalista estrangeiros que me procuraram. Aos montes...

Elson – Uma vez eu fiz uma viagem pelo rio Xapuri com um jornalista americano, Jonathas Kandell. Éramos eu, ele e o Chico Mendes. Nós andamos mais de uma semana pelas colocações do Xapuri, eu passando toda minha experiência de 10 anos para trás e ele anotando. Ele escreveu um livro que eu nem cheguei a ver. E uma vez eu estava num almoço com uns canadenses e a Mary Alegretti. Eles estavam falando em inglês e eu não entendia coisa alguma. De repente, a Mary falou meu nome, aí um cara se apressou lá, querendo saber se era o Elson que estava citado no livro do Jonathas Kandell. A Mary disse que sim e o cara ficou animado, perguntou logo se eu podia gravar uma entrevista para a televisão canadense. Ele começou a entrevista perguntando o que eu achava daquela luta toda, do Chico Mendes, do Osmarino. E eu nunca gostei do Osmarino. Então eu disse: esse Osmarino para mim é um embuste. Quando eu falei isso, acho que ele só não desligou na hora por uma questão de ética. Mas ele esfriou. Não era o produto que ele esperava.

Toinho – Os dois maiores criadores de cobra que existem são o Elson e o Terri Aquino. Nunca vi gente pra criar cobra como esses dois. Criaram todos os tipos: cobrinha, cobrão. Todos nós fizemos isso, inflamos alguns movimentos, algumas lideranças e também alguns picaretas nacionais e internacionais que se apropriaram do nosso trabalho. Mas, respondendo à pergunta do Suede, uma coisa aconteceu nesse vinte anos: nós estamos mais maduros em termos ideológicos. Certas posições, que eram tomadas no calor da luta, a realidade se encarregou de relativizar. Hoje a gente sabe que existe lugar para todo mundo: seringueiro, pecuarista, madeireiro, agricultor. Temos uma visão do desenvolvimento do estado que já não é tão defensiva. Naquele período a gente tinha que se defender. Agora nós estamos encarregados de propor. E não podemos propor só o que tinha antes, mas temos que incorporar as novas tecnologias e tudo o mais. Queiramos ou não, pro bem ou pro mal, o Acre mudou, a Amazônia mudou. E se tornou um potencial aproveitável. Antes a Amazônia praticamente não cabia no mundo, a não ser como reserva florestal. Hoje pode caber como economia, como modelo de desenvolvimento e até modelo de sociedade. E nós temos uma contribuição importante para oferecer. A imprensa pode mostrar as coisas positivas. Não só denunciar o mal e a miséria à qual nós fomos submetidos, mas também o que nós temos de bom.

Silvio – Quantos trabalhos importantes não estão se fazendo? Tem muita coisa sendo feita. O trabalho do CTA, por exemplo, tem coisas fantásticas aí. que inventou a diagramaçue, na verdade, no ançar. por ar como substituto do Mesquita. eta fez consegiu pautar a imprensa do Su10 anos1010101010101010101010eszaaa

Toinho – O Acre hoje é referência internacional. Tem audiência em tudo que é fonte de financiamento. E tem financiamento para quê? Para educação, saúde, cooperativas. Tem seringueiro aprendendo a ler lá no meio do mato financiado por organizações não-governamentais. Mas o tratamento que a imprensa, mesmo a imprensa local, dá para essas organizações, ainda é extremamente pejorativo. Dizem que elas estão nadando em dólares, que têm métodos de guerrilha, coisas absurdas. Falta a gente mostrar o que está sendo feito realmente.

Alberto – Sobre a luta que tivemos e o que pensamos hoje, se rompemos com ela ou não: não há um rompimento. Pode-se ter posições diferentes, mas os objetivos continuam os mesmos. Só que hoje todo mundo tem menino pra cuidar, uma série de coisas. Com relação ao desenvolvimento, temos que posicionar algumas propostas concretas para o Acre. Ta acontecendo essa migração do interior para a capital, que, aliás, não é uma coisa nova, é uma continuação. Acho que a gente tem que estancar isso com urgência, tem que avançar com um projeto agroflorestal para o Estado, que já foi até discutido, com coisas concretas, que torne a economia do Acre mais palpável. Que não se fique eternamente atrás do FPM da Prefeitura, do FPE do Estado. Hoje tempos a pecuária, que não traz dividendos sociais e econômicos para a população, tempo a borracha com a crise que nós já sabemos e quais as outras alternativas?

Sílvio – Permanece o desafio de rediscutir o Acre. É aquilo que eu disse antes: há tanta coisa interessante acontecendo! Particularmente para mim, vinte anos depois, a gente passa por uma série de contradições na vida, o que ficou do Varadouro foi a convicção da minha profissão. Independentemente de qualquer coisa, sou um jornalista, quero ser um bom jornalista até os últimos dias da minha vida. A gente chega a uma certa fase e começa a descrer de coisa coisa, de governo, de partido, de ideologias. Para mim, pessoalmente, a única coisa que me resta e a paixão pelo jornalismo, a vontade de continuar sendo jornalista e voltar talvez até a campo, fazer matérias. Eu tenho saudades disso. O que me restou disso foi à profissão.

Luís – O problema é o seguinte: tempos aí o grande barracão que é o Estado do Acre, falido que vai ser disputado em 98 numa eleição em que pode se definir – ou não – entre dois modelos de desenvolvimento. Um com base na pecuária e um com base no neo-extrativismo, que é uma proposta pela qual as esquerdas tendem.  Acho que se coloca em termos de desenvolvimento econômico um desafio que talvez escape até do nosso poder de compreensão. Metade do Acre foi transformada em reserva extrativista, esse é um dos resultados do nosso trabalho. O trabalho do Varadouro foi de resistência, de garantir a preservação. Agora isso não é o suficiente. O desafio agora é mais técnico-científico e de investimentos de capital. Para mudar o padrão de vida das populações tradicionais, precisa de investimentos, de ciência e tecnologia. É  um modelo de desenvolvimento, que envolve grandes investimentos, para contrabalançar um outro modelo que está chegando agora. O novo Bolivian Syndicate são as madeiras asiáticas que comparam o estado do Amazonas quase todo e vão chegar no acre. Já pegaram os Kaxarari. Vão começar um manejo florestal pesado com os Kaxarari, aqui. E estão pensando em reativar a Transacreana, que é a estrada que vai ligar o mercado internacional às últimas reservas de mogno dessa região. Não sei se em 98 esse modelo se confirma ou se vai ser mais um modelo de resistência. Acho que o nosso desafio é sair da resistência e passar para uma proposta mais inteligente que compatibilize desenvolvimento com preservação ambiental.

Sílvio – Acho que o Lúis teorizou bem. É importante discutir isso e, se precisarem de um repórter velho...

Élson – Acho que nos anos 70, 80, os seringueiros deram a lição de resistência contra uma ameaça que pairava sobre o Acre. Hoje se fala que a coisa empatou. Eu acho que não é bem empate, eles até levaram uma vantagenzinha e hoje a gente está de novo sob uma ameaça tão drástica quanto a de antes. O que muda é que nós não podemos mais esperar que os seringueiros tenham de novo todo o desgaste, o sacrifício, porque a coisa está na nossa mão está mais urbana. Acho que nós temos é que aprender com a lição deles e mostrar que também somos capazes de nos juntar numa ação em defesa do Acre. Quando eles se juntaram e fizeram mutirão, empates e tudo, eles não perguntaram se o companheiro era isso ou aquilo. O interesse era fazer número e salvar o Acre. Agora a coisa está se colocando para nós, porque somos nós, pessoas que vivem na área urbana que vamos ter que fazer a resistência. Os caminhos a gente conhece: a gente sabe que o Acre é um estado que tem uma riqueza enorme. As experiências, as pesquisas feitas já indicam todos os caminhos bons para se fazer do Acre uma terra próspera e gostosa de se viver.

Arquilau – Eu tenho me angustiado com a questão urbana em rio Branco. Os seringais agora acabaram não pela força do paulista, mas pela política da borracha. Estamos com a população urbana estourada, a violência campeia nas cidades. A gente precisa se reunir sempre, pelo menos para encaminhar algumas discussões. A gente abre os jornais e só vê morte, morte e morte. Nós já prevíamos isso no Varadouro as reportagens do jornal apontavam para isso. Toda matéria encerrava dizendo: o Acre vai ser só prostituição, vai ser só violência. Hoje nós estamos vendo tudo e não discutimos uma solução. Estou angustiado com isso.

Toinho – Cada um de nós ao longo da vida vai identificando as contradições que carrega. Para mim, viver no Acre é de tentar unir os pólos de uma contradição entre o primitivo e o moderno, rural e urbano, tecnológico e biológico. Acho que a minha tarefa é tentar reunir os pólos dispersos, fragmentados, de uma personalidade que não é apenas individual, mas é social. Vejo como profecia para o futuro esse drama que cada um de nós carrega do passado. Essa tensão existente entre a nossa origem e o nosso destino. Entre o que nós nascemos e o que nós podemos nos tornar. Para mim o Varadouro marcou como uma possibilidade de interiorização. Fui um garoto urbano, cresci em Rio Branco ouvindo histórias dos seringais mas sem conhecer os seringais. Depois fui estudar fora, passei uns anos em Brasília e quando voltei comecei o trabalho no Varadouro, na comissão Pró-índio com o Terri e o Luís, depois do CTA com o Binho nos jornais.e tinha sempre a sensação de que ao ir para o interior do Acre eu estava entrando cada vez mais no interior de mim mesmo. Cada vez que eu faço uma viagem para os seringais é como se viajasse para dentro de mim. Eu volto mais sábio, mais reflexivo, mais ponderado, com mais força para enfrentar essa batalha urbana. Acho que a cidade, além de violenta, como disse o Arquilau, é fragmentadora, dispersiva. Eu sinto que os interiores me reintegram. O que ainda me atrai em jornalismo é essa possibilidade de trabalhar numa linguagem que recupere o interior. O interior das pessoas, o interior do Acre, o interior do Brasil. Eu acredito cada vez menos nos espaços que a gente dá para as exterioridades nos jornais. Por mim, a página de política devia ser lá num cantinho, e só com acontecimentos importantes, não qualquer besteira. Acho uma bobagem, por exemplo, ficar noticiando a meia que o Fernando Henrique usou, ou a besteira que o Sérgio Mota disse. Acho que tempos uma longa estrada, um longo Varadouro pela frente pra mostrar o que está oculto, o que não teve ainda possibilidades de se mostrar. Acredito ainda que o jornalismo pode ser isso, pode servir não só de auto-falante, mas também de um farol. É por isso que eu ainda me empolgo quando o Élson vem me propor que a gente faça um jornal.

Suede – O Toinho fez uma explanação filosófica, mas eu gostaria de descer um pouco mais pro campo da nossa realidade. Por natureza eu sou uma pessoa otimista, mas confesso que nos últimos anos estive pra deixar o Acre e até o Brasil. Essa ansiedade que o Arquilau falou eu tenho vivido nos últimos tempos. Acho que nós estamos numa entre-safra, uma fase muito pobre de perspectivas e propostas. De um lado tempo aí um cidadão que se elegeu governador e colocou como prioridade a pavimentação de uma rodovia que todos nós sabemos que é necessária para o Estado. Mas, por conta disso, ele vai pisar no pescoço da classe política, dos funcionários públicos. Do outro lado, uma figura nova que se projeta no cenário político do Acre, o ex-prefeito de Rio Branco, Jorge Viana. Eu vi uma entrevista dele e a única novidade que ele falou como proposta econômica foi fazer aqui um pólo moveleiro. Eu esperava muito mais em termo de idéias e propostas. O Élson tem razão quando fala que está na hora da imprensa revisar o Acre. Realmente nós estamos no final de um modelo que já esgotou. Eu não tinha avaliado que se pode fazer alguma coisa nessa área. Talvez isso vá até puxar outros órgãos de imprensa a refletir. E a gente está aí para colaborar. Mas estamos numa fase muito pobre. A gente chega nos municípios e está todo mundo falido, a fome se generalizando. E a imprensa ocupada na Assembléia Legislativa, na Câmara Municipal, nas gravações do Chicão. Te muito a ser percorrido aí nos varadouros da vida, na política sócia e econômica do nosso Estado.

Abrahim – Às vezes eu começo a rir de tudo o que a gente está colhendo agora. Eu acho que a imprensa, a Igreja e outros setores tiveram um desenvolvimento político que eu não tenho capacidade de medir. É de rir. Viemos do coronel de barranco. E a história não se faz do dia pra noite. Mas a coisa muda. No tempo do Rui Lino, o Oscar Passos, do Guiomard, qualquer funcionarinho era considerado santo. Arrumou um emprego, era voto. Outro dia eu tava numa reunião e uma funcionária pública, com uma fita na mão, meteu o pau no governador e disse: se ele disser que é mentira ta aqui gravado. Daí eu digo: estamos no caminho certo. Ta dando o passo político. Eu acho que o Varadouro ajudou a fazer isso porque você vender 7 mil número, é que você formou opinião. A imprensa forma opinião. A direita, os poderosos, sabem muito bem disso. E nós sabemos, tanto que estamos aqui novamente tentando fazer um jornal.